Oncology

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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Compartilho texto do amigo Flávio Paiva (FLÁVIO PAIVA foi indicado pela revista Fale! para concorrer ao prêmio os 30 cearenses mais influentes)

COLUNA


Flávio Paiva



Aqueles por quem esperávamos



A experiência humana provavelmente nunca teve um momento tão rico como o que está sendo vivido na atualidade. Não que no passado não tenhamos enfrentado e superado períodos de grandes adversidades e ameaças de destruição. O que diferencia a situação atual das anteriores é o nível de conhecimento que temos da realidade, a capacidade instrumental para promover a reação e a consciência de que boa parte das providências a serem tomadas está em nossas mãos.



O que pode parecer assustador é na verdade o privilégio da identificação do que se passa e de saber o que fazer. O desafio é encontrar a disposição para sair da zona de comodidade e abrir mão de um estilo de vida esgotado e esgotante, para buscar um destino que leve ao equilíbrio e não à catástrofe. Essa inversão de rumos exige que as pessoas e os grupos sociais despertos encontrem pontos comuns e férteis para a semeadura da catálise dos modos de ser e de se comportar em um mundo no qual viver seja mais atraente do que operacionalizar a vida.



Dentro dos esforços de procura por forças que possam revolver paradigmas a partir da convergência de ideais comuns, o livro “Honrar a Criança – como transformar este mundo” (Alana, 2009), organizado pelo músico e compositor canadense Raffi Cavoukian e pela psicóloga estadunidense Sharna Olfman é uma ótima reunião de textos de escritores, executivos, professores, políticos, físicos, pesquisadores, teólogos, psiquiatras, psicólogos, biólogos, pediatras, artistas, ativistas, filósofos e pedagogos, inspirados por um ponto de fuga traçado por Raffi, sob o conceito de “Honrar a Criança”.



Na reflexão do escritor David C. Korten, autor do livro “O mundo pós-corporativo” (Vozes, 2001) encontramos o dilema posto na encruzilhada dos tempos a que chegamos: insistiremos com o modelo competitivo em declínio, baseado na dominação, ou teremos a ousadia de programarmos um modelo cooperativo socioambiental, inspirado na parceria? “A economia e os sistemas políticos imperialistas organizados para servir à riqueza e ao privilégio sem consideração pelas consequências sociais e ambientais estão matando a Terra e destruindo o tecido da civilização”, sentencia Korten (p. 140).



A questão política mais relevante para a migração entre esses dois modelos é, segundo David Korten, o fortalecimento das conexões humanas da família, da comunidade e a determinação de assegurar um futuro positivo para as crianças. Para isso, a sociedade civil deve reforçar em si o verdadeiro centro político do poder público que ela é, e não mais seguir simplesmente e erroneamente igualando democracia aos sistemas eleitorais dominados por grupos de interesses que para si ocupam as instituições governamentais e corporativas.



A mudança proposta por Korten teria que ser capaz de priorizar a liberdade dos pais de amarem e de cuidarem de seus filhos. E isso só é possível com a construção de um consenso de valores, definido por uma sociedade governada pelo interesse coletivo e que coloque a maternidade e a paternidade como o trabalho mais importante de todos os que se imagine existir. Parâmetros assim, somente serão estabelecidos, se conseguirmos assumir o compromisso de desintoxicação e de recuperação da fertilidade do Planeta, em nome da criança e da natureza.



As páginas de “Honrar a Criança” levaram-me à sensação de que precisamos assumir a postura de que, diante da crise social e ecológica vigente, “nós somos aqueles por quem estávamos esperando” (Korten, p. 149). Precisamos nos permitir à tomada de consciência do que representamos para a vida compartilhada em suas interrelações e complementaridades. O ponto em comum que podemos encontrar nas pessoas de todos os lugares e que precisa ser reativado é a busca pelo bem-estar da próxima geração, como “reflexo de nossas necessidades existenciais de vínculo e transcendência”, conforme as palavras de Sharna Olfman (p. 79). De maneira implícita ou explícita, consciente ou inconsciente, todos nós gostaríamos de deixar um mundo melhor para os nossos filhos.



A variedade de olhares, de testemunhos e de demonstrações de crença no futuro, exposta nessa publicação, reforçou em mim a importância da transdisciplinaridade voltada para a valorização da cultura e da cultura da infância que reuni em meu livro “Eu era assim – Infância, Cultura e Consumismo” (Cortez, 2009). Enquanto neste livro eu me vi e me mostrei de dentro para fora, do local para o global, ao ler “Honrar a Criança”, tive a oportunidade de me ver de fora para dentro, da realidade estrangeira para a nacional.



Como os artigos organizados por Raffi Cavoukian e Sharna Olfman foram publicados pela primeira vez há 15 anos, encontrei nessas reflexões muitos dos conceitos que no início da década de 1990 me animaram a pensar, a agir e a escrever sobre visão sistêmica, cidadania orgânica, valorização da infância e sustentabilidade. Essa identificação tornou a leitura de “Honrar a Criança” mais atraente e mais empolgante para mim. Entretanto, esse é um livro que tem muitas janelas e muitas portas que levam à manifestação de pensamentos, relatos de práticas e sinalizações de caminhos com os quais podemos nos identificar simplesmente pelo fator que Korten chama de “terreno comum até mesmo nas questões que nos dividem” (p. 145).



Poucos são os nodos da ética que, em circunstâncias normais, nos aproximam tanto quanto o respeito à infância. Mesmo que a vitória da competição sobre a cooperação tenha embrutecido o mundo adulto a padrões medievais, não há como negar a existência de uma certa compreensão da necessidade de honrar a criança. A teóloga Heather Eaton coloca muito bem em sua fala a urgência de deixarmos de ver as crianças como futuros adultos, mas “como pessoas que manifestam aqui e agora atributos importantes para a sociedade” (p. 117). Essa consciência é um dos primeiros passos para a transformação.



Mary Gordon, perita em educação familiar, trata da questão da empatia, como o “verdadeiro cerne da sociedade civil” (p. 202). Para ela, honrar a criança é apoiar a sua capacidade de construir uma identidade positiva, a partir da “noção de que são indivíduos fortes e carinhosos e inspirar nelas uma visão de cidadania que possa de fato mudar o mundo” (idem). E para desenvolverem um comportamento pró-social as crianças querem que lhes contemos histórias que as tornem humanas, que dêem vida aos seus sentimentos e, como diz a artista e psicóloga Susan Linn, que tenham “o tempo, o espaço e o silêncio disponíveis para suas próprias ideias e imagens” (p.250) em ambientes que possibilitem o desenvolvimento cultural, emocional, social, educativo, cognitivo, moral e espiritual.



As abordagens trabalhadas nas duas dezenas de artigos que compõem o livro “Honrar a Criança” formam a plataforma temática do 3º Fórum Internacional Criança e Consumo, que o Instituto Alana vai realizar em São Paulo de 16 a 18 de março de 2010. Em março de 2006, na fala que fiz por ocasião do 1º Fórum Internacional Criança e Consumo, coloquei, e estou cada vez mais convicto disso, que esse é um tema de grande urgência cultural e de caráter civilizatório, que não está limitado à classe, gênero, crença religiosa ou preferência partidária. É um tema de grande poder de catálise, de grande força agregadora, que se constitui num compromisso geracional. Agora, após ler o livro “Honrar a Criança” eu acrescentaria, recorrendo a Korten: “Aqueles por quem esperávamos, somos nós”.

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